sábado, 10 de março de 2012

PEDAGOGIA DA ESMOLA

PEDAGOGIA DA ESMOLA

Segundo Lao-Tsé "Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida". Na prática, não é o que acontece.






Vivemos em uma época de esmolas. Gostamos de ganhar “coisas”. Ganhar bolsas, ganhar brindes, ganhar bugigangas. Nossas crianças não são diferentes. Gostam de ganhar notas, ganhar material escolar, ganhar tempo a mais de intervalo. Os políticos, por sua vez, gostam de ganhar votos e claro, muito dinheiro.

Acontece que vivemos em um sistema em que o governo não assume seu papel de Estado de Bem Estar Social, nem seu papel de governo Neoliberal. Ficamos sobre o muro.

Ao mesmo tempo em que o Estado cria leis em que chama para si a responsabilidade social, na prática ele próprio negligencia essas leis.
 
EsmolaComo bem sabemos a esmola não desenvolve e não devolve a autoestima. Na verdade, a esmola mantém quem a recebe sempre no mesmo patamar de pobreza.  Existem também aqueles que recebem esmolas, mas na verdade não precisam delas, apenas usufruem de uma facilidade ou do espírito de caridade que temos inerente em nós. Seja de que forma for, a esmola não promove inclusão alguma, pelo contrário nos mantém distantes dos mais pobres que nós.

A “Pedagogia da esmola” assim denominada por nós, é aquela desenvolvida ao longo dos anos pelos governos, e acatada pelos professores, quer sejam nas redes estadual ou federal, em que tudo é oferecido aos alunos, ou professores, de maneira a mantê-los sob a custódia do estado sob a falsa ideia de que estamos felizes.  Obviamente, se a multidão de esfomeados físicos e culturais virem, de alguma maneira, suas necessidades básicas sendo atendidas estarão contentes e isso significa menos problemas.

O sistema assistencialista aplicado nos últimos anos (Bolsa Família, gás, leite, material escolar, uniforme, alimentação, Cotas...), tem servido para anestesiar grande parte da sociedade quanto aos problemas políticos e sociais que estamos vivenciando.

O sistema de progressão continuada (leia-se promoção automática) aliado a política assistencialista tem servido para camuflar os verdadeiros problemas que vão estourar nas próximas gerações (em um futuro não tão distante, pois seus reflexos já são possíveis perceber).

As crianças já não ligam para suas responsabilidades, pois têm quem os dê “coisas”.  Os pais, por sua vez já não fazem valer seu pátrio poder. Educam as crianças de maneira atabalhoada e terceirizam a responsabilidade ao Estado e aos professores.

Os professores sentem-se impotentes, seja pela fraca formação inicial, ou pela complexidade de ações que influenciam na prática docente. As famílias que, por força das condicionalidades do bolsa família, mantêm seus filhos na escola, mas nada fazem para que eles, efetivamente, aproveitem seus estudos, são tão responsáveis tanto quanto aqueles que querem manter sob o jugo eleitoral essas mesmas famílias, pois elas não querem perder as benesses dadas.  Portanto continuam colaborando, nesse caso votando, com a manutenção do sistema.

As diversas bolsas mantidas pelos governos, quer seja estadual ou federal é sim um processo eficiente para atingir o objetivo comum a eles – manterem-se no poder.  É um processo pedagógico no sentido de aplicar as teorias de subjugo do povo. De um lado dá-se dinheiro ou outra quinquilharia qualquer e por outro lado eles são mantidos no comando. Simples teoria do toma lá da cá. Se retirarmos da noite para dia todas as bolsas, as famílias voltam a ser pobres como eram antes, sem oportunidades como antes.

Isso é promover o bem estar social? De quem?

Na escola, o sistema de meritocracia não é aplicado aos alunos. O que temos é um falso sistema de meritocracia aplicado aos professores. A contratação via concurso (de baixa qualidade) cria a falsa expectativa no professor de que ele é merecedor daquele cargo.

Sobre os concursos de baixa qualidade é importante dizer que, mesmo sendo de baixa qualidade ainda há um grande número de formados em licenciaturas que não conseguem a pontuação mínima para assumirem tal cargo (o que denota a péssima formação que estão tendo nas faculdades).

Sobre o sistema de esmola-docente, podemos explorar um pouco o chamado “bônus-docente”. O bônus que é dado aos docentes cuja escola  atingiu os índices esperados pelo sistema de ensino. No caso das escolas públicas do Estado de São Paulo temos o bônus calculado sobre o IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo) – uma cópia mal feita do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – promovido pelo Governo Federal).  Pois bem, o IDESP é calculado a partir de dois índices: Desempenho X Fluxo. Entende-se por desempenho a nota do SARESP (considerado somente para as turmas de 5º ano, 9º ano e 3º ano do ensino médio) e o fluxo em que se leva em consideração a quantidade de alunos reprovados e evasão escolar.

Pois bem, sabendo-se que os alunos não vão tão bem no quesito avaliação, o que a escola faz para elevar o índice? Aprova-se à revelia.

Dentro dessa concepção, verifica-se aqui, também, um sistema de esmola. Em que os professores são coagidos a aceitarem o que é imposto pelo sistema de ensino para não perderem o famigerado bônus-docente. Ninguém, com o mínimo de capacidade intelectual e física, precisa de bolsas ou outras medidas assistencialistas. O que precisamos é de geração de empregos, valorização do mérito e dos estudos e de salários dignos.

O grande problema é que a maioria das pessoas não tem esse mínimo de senso para contestar o modelo da Pedagogia da Esmola que se instalou neste país. Por fim, o que vemos nesse sistema assistencialista generalizado que estamos vivendo é o modelo de “Cenoura de mula”, em que se pendura à frente do animal para que ele ande sem parar e nunca alcance. Assim estamos nós sociedade, correndo atrás da nossa “esmola” e reelegendo aqueles que tem o controle da “cenoura”.


CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. Pedagogia da esmola. Gazeta Valeparaibana, v. 52. Disponível em: http://gazetavaleparaibana.com/052.pdf, 2012, p. 6.

Autores:
Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química
Pós-Graduado em Química
omacam@professor.sp.gov.br

Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo
icguedes@ig.com.br

4 comentários:

  1. Muito bom, professor Ivan. Infelizmente é a triste realidade (atual) do nosso país.
    Enquanto não sairmos da mesmice, enquanto bancarmos os cordeiros seguindo "deuses incrédulos" e enquanto continuarmos em silêncio por medo do que possa acontecer com nossos trabalhos (ou até mesmo vida - isso dependerá do grau de nossa ousadia), continuaremos aplicando a didática da esmola. Espero que todos estejam ciente de todo esse jogo sujo que há por detrás disso que chamam de educação, e espero, ainda, que tenhamos a ousadia de não nos calarmos diante daqueles que nos parece superior.

    Edvaldo dos Reis
    http://edvaldodosreis.blogspot.com/

    "Eu sei que não se vive só de esperança, mas sem esperança não vale a pena viver." (Harvey Milk)

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  2. Professor, pq vc não apresenta que os donos do capital desse país, na qual vc indiretamente ta defendendo, vive de "ganhar lucro, ganhar em cima da miséria, ganhar em cima de reserva de mercado, ganhar do BNDS, ganhar no latifúndio, ganhar no controle da mídia" etc...Quando o miserável passa a ganhar o rico reclama pq tá diminuindo a mão de obra barata pra "ganhar" mais. Seu texto ganha no apelo popular, mas perde na racionalidade, veja os resultados na diminuição da miséria.

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  3. Esse é o nosso Prof. Rômulo, guerreiro de luta sempre tem uma resposta pronta. Vários de nós do Cursinho só entramos na USP, UNICAMP, pq tivemos bolsa família.

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  4. Não estou defendendo o que v. chama de donos de capital, muito pelo contrário, pois se não sabe, são eles quem promovem a permanência do sujeito na miséria. Dar esmola não é sinônimo de distribuir renda. Isso o próprio Critóvam Buarque já disse em diversos canais. Independentemente da função social do trabalhador, ninguém em sã consciência deve se contentar com premiações, bonus (como no caso dos professores) ou lembrancinhas. O que a classe trabalhadora precisa é de um bom salário.
    Mas a discussão deste artigo não é sobre o bolsa família. A discussão desse texto é sobre o excesso de assistencialismo de cabresto... A bolsa família é citada uma única vez no meio de várias outras bolsas que são assistencialistas e que não promovem efetivamente a mudança social. Outro ponto que NINGUEM discutiu é sobre a gratificação (BONUS) para os professores... são migalhas dadas à população, e não a transformação social que queremos - também citando P. Freire em Pedagogia da Autonomia.

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