quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DE ESCOLA REPRODUTORA A ESCOLA TRANSFORMADORA

DE ESCOLA REPRODUTORA A ESCOLA TRANSFORMADORA

Apenas deter o certificado de pedagogia não garante o conhecimento 





A criação da escola no Brasil está ligada estritamente ao desembarque dos jesuítas para “catequizar e domesticar” os índios. Em seguida, o sistema de ensino implantado tinha como objetivo atender aos anseios da nobreza instalada na colônia para que seus filhos fossem corretamente instruídos para voltarem ao velho continente e concluir o ensino superior. Desta forma, por muito tempo nossa escola pública também foi elitista e considerada como uma arma importante para adentrar no mundo universitário. Bom, de lá para cá muita coisa mudou e a universalização do ensino tão pregada pelos escolanovistas, está se tornando uma realidade, apesar dos tropeços e enganos cometidos, temos avançado nesse ideal de escola para todos.

Mas, porque não temos alcançado os louros da vitória tão desejados? O que estaria faltando para alçarmos voos mais altos em direção ao topo da lista das avaliações externas como, por exemplo, o PISA?  Avançamos timidamente e às vezes recuamos nos índices e quase que invariavelmente o debate recai sobre os professores. Será que a culpa é só e tão somente dos professores? Que escola nós temos, ou seja, que tipo de escola nós temos? Quais os objetivos dessa escola? Bem, a resposta, acreditamo-nos, é que a nossa escola calcada em valores elitistas e/ou tecnicistas não mudou em quase nada do que era, ou melhor, ela é ainda carrega a estrutura de uma escola tecnicista com ranços elitistas. 
O que é pedagogia nova

A estrutura curricular verticalizada baseada na escola reprodutora de conteúdos inadequadamente agrupados, sem transversalidade e sem interdisciplinaridade está mais presente e vivo do que durante os anos 1960 e 1970. As disciplinas são desligadas e desconexas da realidade, recheadas de conteúdos estanques, nada (ou muito pouco, para não generalizar) aplicáveis ao nosso mundo. Então qual a diferença entre a tradicional e a atual?

O século XXI iniciou-se com mudanças bruscas nos paradigmas sociais, estamos diante de uma nova realidade, novos interesses, novos objetivos. O lado negativo é que ainda estruturamos a escola com base em critérios da segunda metade do século XX (que é uma caricatura da estrutura europeia do século XIX). Temos uma escola “para todos” com valores elitistas. Agregado a isso se soma o Estado lento e burocrático que não sabe se assume uma postura neoliberal ou de bem-estar social. Um Estado que funciona no papel, mas que não se aplica à realidade, ou seja, temos um Estado de “faz de conta” que proporciona uma educação “faz de conta”.

 E porque chegamos a esse ponto? Primeiro por que não produzimos nenhum sistema educacional estritamente nacional voltado às nossas realidades. Segundo, a ingerência de partidos políticos na educação tem sido uma constante, haja vista que a cada eleição, as mudanças de secretários, de ministros e agregados políticos resulta em uma reformulação do que estava sendo feito, partindo do zero. Os debates sobre a educação têm sempre o mesmo discurso e a mesma receita. Na prática, o resultado é sempre o mesmo: A má qualidade da educação. 

Até agora ninguém, de qualquer partido político, teve a sensatez de dizer que educação deveria ser apartidária, traçada em longo prazo, mas com critérios objetivos e bem definidos, visto tratar-se de um bem maior do que as mesquinhas políticas partidárias. Em terceiro lugar, podemos dizer que gostamos de importar “modismos pedagógicos” e modelos do hemisfério norte. Dentre os modelos importados, só não importamos orientais até agora por que, a bem da verdade, veem mostrando bons resultados, mas requerem uma mudança de postura social e, principalmente, política (sobretudo no campo da ética).

Nessa imensa colcha de retalhos que é o nosso sistema educacional, podemos apontar os temas transversais que, na Espanha, tem apresentado bons resultados e poderiam ser melhores trabalhados por aqui. Porém, no Brasil, não passa de um empilhado de temas e ideias que quase não estão presentes em livros didáticos ou em estruturas curriculares elaborados pelos sistemas de ensino.

O trabalho interdisciplinar, na prática, fica a cargo do professor que se aventura em desenvolver projetos, diga-se de passagem, à parte do menu acadêmico. Coordenadores pedagógicos ficam torcendo para que apareça um grupo de professores dispostos a introduzir os temas transversais e ligar suas disciplinas num âmbito interdisciplinar e com isso dar sentido às suas aulas. As universidades, por sua vez, limitam-se ao conteúdo curricular ensinado às várias gerações. Não há mobilidade curricular. Professores são engessados dentro de uma “caverna”. Esses profissionais são jogados no mercado profissional e levam consigo a sua “caverna”. Repassam aos seus alunos as mesmas sombras que um dia aprenderam a acreditar. 

Kant em sua pedagogia de valores morais, assim como outros, como, por exemplo, Paulo Freire e Rubem Alves, nos convidam a olhar com outros olhos, a termos um olhar quase metafísico em que o ser é muito mais importante. O ser humano está em constante evolução e, portanto o ensino deveria acompanhar essa evolução. O que se vê nas escolas é a transmissão de ideias arcaicas a respeito das ciências. Uma ciência imutável? As teorias científicas se sucedem ao longo do tempo e, em tom jocoso podemos dizer que nada é absoluto e tudo é relativo, e essas mudanças profundas ou não, e que podem ser de natureza epistemológicas, refletem diretamente na educação.

Diante desses fatos porque não se fazer uma integração de saberes? O ensino das disciplinas curriculares está enclausurado em gaiolas como pássaros que já não alçam voo. Precisamos de uma força transformadora que faça com que o dia a dia esteja presente no ensino dessas matérias curriculares. Evidentemente, não podemos relegar a desprezo o ensino tradicional, não se trata de abandonar um e acolher o outro, mas de integração, união. 

Nada melhor para transformar do que miscigenação dos conhecimentos, dos saberes. Os temas transversais e a interdisciplinaridade tem o papel importante de ser o agente aglutinante que irá dar vida nova ao conteúdo curricular bem como despertar no aluno a necessidade de se tornar um ser humano melhor. Um ensino integrado pode despertar no horizonte, mas é preciso ter cautela, pois uma simples canetada juntando disciplinas e mudando a estrutura curricular de uma hora para outra (como já desponta o MEC), pode piorar o que já está ruim. 

Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química
omacam@gmail.com

Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo
Consultor e assessor pedagógico
ivanclaudioguedes@gmail.com

CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. De escola reprodutora a escola transformadora. Gazeta Valeparaibana [online], São José dos Campos, 01 ago. 2014. E Agora José? - Opinião. Disponível em http://www.gazetavaleparaibana.com/081.pdf  Acesso em 02 ago. 2014.


8 comentários:

  1. A implantação do Sistema de Progressão Continuada e a divisão do ensino por ciclos e áreas do conhecimento proposto pela nova LDB 9.394/96, e assim, escolas receberam seus professores e comunidades em fevereiro de 1997, já com a nova LDB, isso sem aviso prévio, sem formação, sem comunicação, sem reunião com pais e professores, simplesmente muito mal informaram-nos que era para trabalharmos com o conceito elaborado por Emília Ferreiro, a partir dos estudos que ela havia tido do mestre Jean Piaget, que nunca se quer pensou elaborar um método educacional ou alfabetizador,suas pesquisas eram outras,mas sua aluna achou que poderia dar certo com seus alunos e assim o fez, e assim o Construtivismo passou a vestir as mais altas elites dominantes do país sob o dogma de mudança educacional. Lembro-me que se quer sonhava o que era esse raio de construtivismo, nem se quer sabia da teoria de Piaget, aliás nenhum dos coordenadores da época nos ensinou a trabalhar com o construtivismo pois para eles também foi surpresa, e assim o que mais ficou marcado na mente dos professores e aluno: "não haveria mais reprovação".

    A interpretação errônea e não desmistificada em tempo, foi a total destruição de diversas conquistas à Educação Brasileira por outros colegas e outros governos anteriores à Covas. Professores recebiam a seguinte informação:
    "Esta lei procura libertar os educadores brasileiros para ousarem experimentar e inovar." (Darcy Ribeiro).Deu-se inicio a uma série de produção em séries de Emilia Ferreiro,onde o construtivismo, foi se juntando a tantos outros ismos que chegou ao verdadeiro fundo do poço da Educação, e assim mais uma vez fomos cobaias de um novo seguimento de teorias vindas de Genebra, que trabalharia a Educação em ciclos de aprendizagem a partir dos gêneros textuais.

    A chegada do mais novo integrante "salvador da educação pública, o ilustre senhor currículo do Estado de São Paulo" foi cheia de pompas e louvores e parecíamos ter de fato encontrado um chão para indicar um caminho novo, e apesar de não concordarmos aos poucos fomos induzidos a acreditar que seria realmente um sucesso, porém o mesmo cenário de resultados insatisfatório ainda permanece, agora com mais um agravante, alunos saem da escola sem se quer saber se comunicar no mundo pós ensino médio.

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    1. Zilda.
      Neste ponto abordado, creio que o maior problema foi a politização dos conceitos de "progressão continuada" que na prática virou aprovação automática e do "construtivismo", que na prática virou "faça o que quiser".
      Cobrar esses conceitos do professor especialista é, no mínimo, ofensivo, pois na faculdade os professores das disciplinas tem uma carga muito ínfima de conteúdos pedagógicos.
      No limite, estamos em 2014 e os quase 20 anos da LDB já trouxe seu legado: uma geração de desinteressados pelos estudos.
      Ainda que seja errado eu crucificar a LDB (pois ela por sí só não tem culpa), a ferramenta de massificação da escola e a redução de custos tem gerado números e mais números que colocam o Brasil entre os últimos.

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  2. Percebemos que o perfil da maioria dos alunos que têm uma visão mais crítica, não aceitam mais a submissão da gestão educacional que nada tem em comum com o mundo fora da escola, no entanto muitos não querem ser promovidos para continuar naquele espaço, onde sentem-se
    importantes sabem que são bem tratados e acolhidos e sabem com os demais. Mas quando muitos terminam seus estudos,se quer podem procurar um emprego de caixa de supermercados pois não sabem fazer as quatro operações, se acaba a energia então...piorou pois não sabe fazer conta aritmética com o lápis e a mente. Muitos tomam caminhos gloriosos que os leva a fama, outros, caminhos tortuoso que os levam a lama, e assim caminha a educação.

    Escola transformadora é o sonho de muitos visionários de uma educação que atenda as necessidades de aprendizagem de alunos e professores, e observando melhor a sua produção, professor Ivan, as suas indagações todas elas bem assertivas e posicionadas quanto às necessidades de aprendizagens do aluno do século XXI, intra e interconectado com a tecnologia midiática, onde tudo o que ele quer saber ele recorre aos aplicativos da internet e de pesquisa em pesquisa descobre suas investigações e dúvidas.

    Mas...e a velha escola com seus pilares erguidos nos mesmos moldes da escola tradicional, as fileiras em linha vertical como era no século passado, a velha lousa que só mudou a cor de preta, passou a verde, mas quê tecnologias foram agregadas a ela? E os professores o que aconteceu? Porquê muitos colegas desistiram ou desestimularam do ofício, e o juramento feito perante à bandeira nacional ? E a capacidade que é nata do do professor de criar, recriar, e criar novamente...será que foi deletada da mente da maioria de nossos colegas? Ou será que foi a grande desilusão da política educacional brasileira sempre a seguir modismo teóricos nos colocando sempre como cobaias de processos e metodologias incoerentes com a nossa realidade estudantil? Ou.. .as poucas e quase zeradas cifras salariais destinadas ao hollerite dos professores? São tantas as indagações...

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    1. Zilda,
      Creio que estamos em uma época de baixa reflexão e da automatização do pensamento (no sentido mais técnico que existe). Refletir, questionar, pensar e indagar são verbos "não gratos" na sociedade moderna. Tanto o professor quanto o aluno que aplica esses verbos, são rapidamente reprimidos.
      A sensação que tenho é a de que estamos vivendo um romance de George Orwell 1984, em que temos que seguir os comandos do "grande irmão".

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  3. Gostaria de ter respostas às nossas indagações professor Ivan, no entanto, a mesma angústia que meus colegas possuem eu também compartilho, pois ainda não houve vontade política dos nossos governantes para investir num ensino que possa contextualizar os interesse do jovem da modernidade com um currículo estimulante aos professores e instigante a ambos, pois acredito que isso é possível sim, pois falta também um pouco de vontade cívica de alguns colegas para mudar esse perfil de sala de aula retrógada e sem experimentos práticos que os conduzam ao conhecimento sistêmico da intertextualidade existente entre as diferentes áreas do conhecimento, pois quando se consegue acoplar diferentes disciplinas em conteúdos similares a tomada de consciência para chegar-se à resolução e conceitos fica bem mais fácil localizar as trilhas a serem percorridas pelos alunos.

    Acredito e defendo uma escola transformadora e inovadora tanto quanto ao amado amigo, Ivan, mas enquanto não tomarmos a consciência de que nosso maior trunfo para vencer essa batalha da exclusão criada dentro da própria escola pública,pregadora da não exclusão, seria a tentativa de criar dentro da escola comunidades"aprendentes in continuum"o que cada um sabe fazer de melhor, unindo-se as competências e habilidades proporíamos um "currículo intra-escolar, ou intra- gestão-escolar, não desprezando situações aprendizagens que foram significativas, mas agregando a essa, outras ramificações do conhecimento sob o olhar da era da tecnologia.
    .
    Não haverá outro caminho senão conseguirmos identificar a construção dos saberes vinculados aos saberes extra-escolares do alunos, o saber do professor, e dos demais aprendizes da escola, não somente sala de aula, a escola tem que ser um todo, a necessidade de intercambio entre a comunidade escolar de todos os períodos com temas eleitos e votados para debates, pesquisas, envolvimento científico, político, social, é um dos caminhos a ser seguidos para garantir ao aluno o mais importante, dignidade de saber sua identificação com o mundo lá fora, pois a escola têm produzido escravos de uma prática desumana, pois não conseguimos oferecer aos nossos jovens condições de serem livres para viver com dignidade, ter um trabalho digno e não viver às custas de esmolas eleitorais.

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    1. A grande sacada, Zilda, você já colocou: "tomar a consciência".
      Nunca que um governo (seja da direita ou da esquerda) proporcionará uma escola nos moldes da que a gente sonha e batalha. Foucault (Microsífica do Poder) nunca esteve tão presente na educação.
      A "virada na mesa" não virá de cima. Não será por meio de decreto ou lei. Será pelo que você disse acima, pela tomada de consciência.

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  4. Fontes:

    FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Trad. Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Porto alegre, Artes Médicas, 1985.

    FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

    KOMESU, Fabiana. Pensar em hipertexto. [S. l] Hipertextus, vol. 1, 2006. Disponível em: < http://www.ufpe.br/nehte/artigos/hipertexto. pdf>. Acesso em: 09 out. 2007. LÈVY, Pierre. A emergência do cyberspace e as mutações culturais. In: PELLANDA, N.M.C.

    MACEDO, Lino. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.

    OLSON, David. A escrita e a mente. São Paulo: Ática, 1997.


    PIAGET, Jean. Epistemologia genética. Tradução de Álvaro Cabral. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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